sábado, janeiro 09, 2010

Manual Mínimo do Ator

FO, Dario; Manual Mínimo do Ator. Organização de Franca Rame. Tradução de Lucas Baldovino e Carlos David Szlak. 3ª edição. São Paulo: Editora Senac, 2004.
"Picasso afirmava: «O pintor imbecil está pintando e cai-lhe do pincel uma gota de tinta. Desesperado, o pintor imbecil rasga o papel e começa tudo de novo. No meu caso, ao invés, já que - se me permitem - sou um pintor de talento, assim que cai a mancha, sorrio, observo-a, viro e reviro a folha e, comovido, começo a desfrutar daquele acidente com um grito de prazer. É justamente da mancha que, para mim, nasce a inspiração!»" [p. 90-91]
"(...) nunca desconsiderem o imprevisto... e também não se deixei perturbar por ele." [p. 116]
"Em resumo: para realizar com dignidade o ofício de ser um bom homem de teatro, é preciso empenhar-se para obter todos esses conhecimentos, provenientes do estudo, da observação direta, da prática.
Concluindo: se não quiser levar uma rasteira, deve livrar-se dos preconceitos e evitar os modismos. Ligar-se ao tempo presente mesmo quando tratar de histórias do passado. Desconsiderar as definições, as categorias de importância, ou seja, as classificações de tipo aristotélico, que hierarquizam, põem em uma escala descendente de valores os gêneros: em primeiro lugar, a tragédia, depois o drama, em seguida a comédia, caindo até o teatro de bonecos, até chegar ao saltimbanco, ao palhaço." [p. 132]
"Festejar é uma arte, não basta a vontade de fazer uma festa. Para que tudo não beire a patetice calhorda é necessário saber a partir de qual desespero, medo e raiva devemos representar o escárnio, o paradoxo e o gracejo." [p. 190]
"(...) o problema de como fazer nascer e de tornar conhecidos autores novos é sério. Mas como isso deve ser feito? Que método seguir? Para começar, faltam as escolas." [p. 192]
"Para entendermos melhor a situação em que se encontra a literatura teatral de hoje, imaginem o seguinte jogo absurdo: em primeiro lugar, juntemos um determinado número de comédias e dramas escritos nos últimos anos e talvez não representados; em seguida, sem apor nessas obras nenhuma data, vamos colocá-las no interior de uma cápsula espacial. Lancemos um foguete na direcção da estratosfera. Dentro de cinco séculos, alguns astronautas provavelmente encontrarão essa cápsula, trazendo-a de volta à Terra. De imediato, alguns estudiosos vão se apoderar dos textos, começarão a estudá-los e tentarão descobrir em que período histórico foram escritos. Vocês acham que eles vão conseguir? Onde eles encontrariam uma referência acerca das notícias do nosso cotidiano, uma alusão aos fatos trágicos de nossa época, uma menção aos conflitos sociais? Nada; só encontrariam rios de conceitos, palavras se perseguindo como se estivessem em um jogo de cabra-cega, sem nunca se encontrarem, personagens fora de qualquer tempo e sem um mínimo de realidade. Não, ninguém conseguiria saber quando e por quem poderiam ter sido escritos esses textos. Dias, noites, meses, épocas, tudo fora de qualquer tempo." [p. 206]
"Há trinta anos, durante a montagem de Dito nell'occhio (Dedo no olho), ao lado de Lecoq, aprendi a demarché (modo de andar) do felino: agachar-se - como se fosse andar de gatinhas, distender-se, alongar o braço esquerdo dobrando o pulso para dentro, alongar para a frente a perna direita, prosseguir então com souplesse (flexibilidade), alternando, durante o movimento, a perna esquerda com o braço direito e vice-versa. Parece algo simples, mas na realidade não o é. Mas não é esta a questão. A questão é que, mesmo conhecendo essa caminhada, que é elegante, de efeito e aproxima-se bem da real, eu não a usei durante toda a apresentação. Por quê? Para evitar ser descritivo, é justamente isso, pois teria banalizado o conto, em vez de reforçá-lo. É preciso reunir a coragem e a inteligência de aludir em lugar de realizar a descrição completa. Pôr em foco certos detalhes e deixar escapar outros. Isso determina um estilo e um ritmo mais denso e compacto na narrativa da história." [p. 241]