Uma História
Podia-se estar em qualquer parte do planeta. Podia não ser uma pequena terra Portuguesa.
Eram cerca das dezanove horas e trinta minutos, no primeiro dia de Fevereiro de mil novecentos e oitenta e três.
Luís chega à sua velha casa. Depois de ter bebido uns copos. Entra pela porta das traseiras, que dá a uma pequena sala de telha vã e chão de tijoleira, onde está uma bicicleta pasteleira encostada a uma parede. Dirige-se à cozinha, divisão contígua à primeira sala, abre o frigorífico e pega numa garrafa de vinho tinto. Senta-se num dos bancos, à mesa, acende um cigarro e bebe directamente da garrafa. Os pensamentos em turbilhão... A confusão... O medo.
- Que vida! Não é isto que quero. Quero mais. ...Mais uma criança na família. Mais alguém para sustentar quando mal posso para nós três... Quando casei com a Bia queria uma casa e o conforto adequado à nossa paixão. E não tenho nada próximo disso.
Amo a Bia... É uma mulher bonita! Gabirus atrás dela nunca lhe faltaram. Será que ela me é fiel?
Outra criança. Mais leite. Mais medicamentos. Mais pomadas... Mais dinheiro que não tenho!! Que merda de vida. Quero estoirar com isto tudo!
Levanta-se do banco e dirige-se à sala de entrada para quem entra pela porta da rua. Uma sala pequena, unicamente com um armário com o bem mais caro adquirido: o serviço Vista Alegre - imagem da ilusão de uma vida melhor - e num acesso de fúria, abre uma porta do armário e entre gritos e murros ouvem-se estilhaços no chão.
São vinte horas. O Luís entre estilhaços de vidro ajoelhado a chorar. O Miguel nú e sujo chora e mija entra as mãos da parteira.
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